Minha empresa não conseguiu pagar o ICMS. E agora?

Por: Aluísio Guedes Pinto

Em tese, é crime declarar o ICMS e não o recolher aos cofres públicos. É essa a interpretação adotada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça. Segundo o STF, “O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do artigo 2º (inciso II) da Lei 8.137/1990”. Este tipo penal criminaliza a conduta daquele que “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”. Em outros termos, compreende-se que o comerciante que desconta ou cobra o ICMS (próprio), mas não o recolhe, comete o crime acima mencionado, mesmo que tenha havido a declaração desse tributo ao Fisco (se não houvesse a declaração, tratar-se-ia do crime tipificado no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90). Essa interpretação rende diversos problemas, acentuados em meio à pandemia (como se apontou em texto anterior).

Em meio a esse cenário de caos sanitário, econômico e jurídico, com quedas bruscas na atividade econômica, é absolutamente natural que algumas empresas não deem conta de quitar suas obrigações financeiras – aí incluída, eventualmente, aquela atinente ao ICMS. O que fazer, então, nessa situação? Considerando que o inadimplemento de ICMS constitui, em tese, um crime – ao qual é cominada pena de seis meses a dois anos de detenção, e multa –, uma resposta precisa é fundamental.

Em primeiro lugar, deve-se ter em mente que a palavra de ordem, diante de dificuldades financeiras que eventualmente impeçam o recolhimento dos tributos devidos, é transparência. O inadimplemento tributário, por si só, já traz consigo implicações jurídicas graves, nas esferas tributária e criminal. Se estiver acompanhado de atos fraudulentos, todavia, esse inadimplemento será ainda mais grave: na esfera tributária, as multas serão ainda mais elevadas; no âmbito penal, a pena é muito mais severa (dois a cinco anos de reclusão, e multa). Por isso, a transparência é fundamental para não agravar ainda mais as naturais repercussões prejudiciais do inadimplemento de ICMS.

Dito isso, a hipótese mais evidente para a não configuração da responsabilidade criminal pelo inadimplemento do ICMS é a de quitação (com a imediata extinção da punibilidade) ou parcelamento do tributo (com a suspensão da punibilidade, até a quitação). No entanto, em situações nas quais a crise econômica se prolongue, essa hipótese pode não ser factível.

Por isso, vale atentar às hipóteses em que a jurisprudência aceita – ainda que renitentemente – a exclusão de ilicitude ou de culpabilidade em razão de dificuldades financeiras. Nesses casos, admite-se, em situações financeiras excepcionalíssimas, que o inadimplemento tributário não configura crime, porque não era exigível da empresa contribuinte que adotasse outra conduta. A lógica é a de que, em situações tais, a empresa deve alocar seus recursos nas demandas mais urgentes, como aqueles relativas a fornecedores indispensáveis e ao pagamento dos colaboradores. Escusa-se, assim, o inadimplemento do tributo.

Essa situação, todavia, é excepcional. Para que admitam essa escusa, os tribunais costumam demandar provas bastante robustas não só quanto à crise financeira pela qual passa a empresa, mas também quanto à situação financeira de seus sócios e controladores.

Por conta dessas significativas exigências probatórias, por vezes não é possível a construção de uma tese que leve à exclusão da ilicitude ou da culpabilidade.

Assim, sobressaem como opções os acordos penais. A depender do crime imputado, é possível firmar acordos de diversas espécies, que vão da transação penal e da suspensão condicional do processo até o recém-criado acordo de não persecução penal.

Em certos cenários, os acordos são, de fato, a melhor opção, porque permitem que o Ministério Público e a defesa transacionem, de forma a firmarem condições vantajosas para ambas as partes. Essas condições dizem respeito não apenas à pena a ser aplicada (se for o caso), mas também quanto à forma de adimplemento dos tributos não pagos. Essa previsão, em acordos penais relativos a crimes tributários, é indispensável e, portanto, deve ser negociada com cuidado por acusação e defesa.

Em suma, diante de eventual inadimplemento tributário – situação praticamente inevitável, dado o atual cenário econômico –, a atuação deve ser pautada pela transparência. Além disso, caso a persecução penal evolua, é necessária atenção e compreensão do cenário processual, que pode direcionar a atuação da defesa para a postulação do reconhecimento de excludentes de ilicitude ou de culpabilidade ou para a pactuação de acordos penais.

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