Por: Aluisio Guedes Pinto
A lavagem de dinheiro é um crime tipificado no art. 1º da Lei n°. 9.613/98, posteriormente alterada pela Lei n. 12.683/12. Em termos simples, o crime em questão consiste na conduta de “lavar” – isto é, tornar limpo – o dinheiro oriundo de um delito antecedente.
Em termos mais técnicos, a Lei n. 9.613/98 define como lavagem de dinheiro a conduta de “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal” (art. 1º). A tipificação da conduta, no entanto, não encerra aí. O diploma legal em questão é bastante amplo, de forma que prevê outras condutas que configuram a lavagem de dinheiro. Assim, também comete lavagem de dinheiro “quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal: I – os converte em ativos lícitos; II – os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere; III – importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros” (§ 1º); comete o crime, da mesma forma, “quem: I – utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal; II – participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei” (§ 2º).
A amplitude da tipificação acima mencionada faz com que a lavagem de dinheiro se torne um dos crimes mais importantes em matéria de crimes econômicos – os chamados crimes de colarinho branco.
Com efeito, como os crimes desse gênero geralmente são sucedidos de artifícios patrimoniais com os quais o agente busca garantir o usufruto do lucro auferido com a prática anterior, usualmente a acusação – o Ministério Público – imputa ao acusado não somente o crime anterior (como corrupção ativa ou passiva, gestão temerária, tráfico de drogas e outros delitos), como também a lavagem de dinheiro, cuja pena é de reclusão, de três a dez anos, e multa. Essa sanção pode ser severamente majorada se o crime for cometido reiteradamente ou por meio de organização criminosa (§ 4º).
Um fator muito relevante para a análise da lavagem de dinheiro é o delito antecedente. A lavagem pressupõe, sempre, a prática de um delito anterior, até porque é em relação ao lucro oriundo desse ilícito que ocorrerá a lavagem de dinheiro.
Inicialmente, a lavagem foi internacionalmente criminalizada apenas quando se tratava de capitais oriundos do tráfico de drogas e do terrorismo (e de seu financiamento). As legislações que seguiram essa tendência são classificadas como de primeira geração.
Mais tarde, porém, seguiu-se uma tendência de expansão do rol de possíveis crimes antecedentes. Assim, as legislações expandiram-se e passaram a prever que outros crimes poderiam anteceder a lavagem de dinheiro (além do tráfico de drogas e do terrorismo). Dessa forma, incluíram-se no rol de crimes antecedentes delitos como contrabando, tráfico de armas, extorsão, além de crimes contra a Administração Pública e o sistema financeiro de modo geral. As leis que apresentaram esse rol de crimes antecedentes expandidos foram classificadas como de segunda geração.
Quando o Brasil tipificou o crime de lavagem de dinheiro pela primeira vez, em 1998, a redação original da Lei n. 9.613 consignava um rol taxativo de crimes antecedentes, de forma que a lavagem de dinheiro somente poderia ocorrer quando se tratasse de recursos oriundos daqueles delitos legalmente elencados. Essa era, portanto, uma lei de segunda geração.
Em 2012, todavia, foi promulgada a Lei n. 12.683, que extinguiu o rol de crimes antecedentes. Isso significa que a lavagem de dinheiro pode ser antecedida por qualquer delito, desde que haja a geração de recursos (os quais são ilícitos, obviamente). As leis que têm essa característica – ou seja, que não têm um rol de crimes antecedentes – são classificadas como leis de terceira geração, como é o caso da norma brasileira.
A repressão à lavagem de dinheiro tem crescido substancialmente nos últimos anos, e há diversos fatos indicativos desse fenômeno. Um deles é a criação, pelo Ministério da Justiça (hoje denominado Ministério da Justiça e Segurança Pública), da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro – a ENCCLA.
Criada em 2003 sob a coordenação do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), que integra a estrutura do Ministério da Justiça, a ENCCLA articula mais de 70 órgãos e entidades dos três poderes e das três esferas da federação, com o objetivo de formular políticas públicas de prevenção e repressão à corrupção e à lavagem de dinheiro. Desde sua criação, a ENCCLA promove reuniões anuais, nas quais planeja ações a serem desenvolvidas no ano seguinte e discute o resultado das ações delineadas no ano anterior. Ao longo de sua trajetória, a ENCCLA já traçou 275 ações, articuladas em cinco linhas de atuação: estruturação dos órgãos, propostas normativas, capacitação, produção de conhecimento e criação de sistemas ou compartilhamento de dados.
Ao término da reunião realizada ao fim do ano de 2018, como faz anualmente, a ENCCLA delineou ações a serem desenvolvidas em 2019, com o objetivo de promover a prevenção e a repressão da lavagem de dinheiro e da corrupção. As 14 ações traçadas dizem respeito a temas tais como transparência pública, dados abertos e participação social; controle e restrição da circulação de dinheiro em espécie; utilização de ativos virtuais (a exemplo de moedas virtuais como o bitcoin) para fins de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, de modo a identificar boas práticas relacionadas à investigação do delito em diversas esferas e a propor adequação normativa em matéria investigativa e de persecução penal; e diagnóstico sobre a lavagem de dinheiro decorrente de crimes tributários.
Nesse cenário, registra-se que o domínio das múltiplas nuances da criminalização da lavagem de dinheiro é fundamental para a compreensão desse fenômeno criminal, até porque a evolução das estratégias de prevenção e repressão à lavagem de dinheiro tem sido, pelo menos desde a década de 1990, um termômetro da política criminal adotada nacional e globalmente.
A propósito, a criminalização da lavagem de dinheiro, embora ainda invista em penas privativas de liberdade, é ilustrativa quanto às novas estratégias de enfrentamento da criminalidade, especialmente a criminalidade econômica organizada. Com efeito, busca-se o asfixiamento financeiro dessas atividades ilícitas e das organizações que as promovem.
Isso representa significativas mudanças no Direito Penal e no Processo Penal, o que impõe desafios aos operadores jurídicos, que devem sempre estar a par dessas evoluções e oscilações da política criminal.
Nesse contexto, é papel do advogado assegurar que, independentemente das diretrizes de política criminal a serem seguidas pelas autoridades, os direitos constitucionalmente assegurados sejam respeitados, até porque constituem os pilares da Democracia.
Com efeito, ao atuar em favor de seu cliente, o advogado empreende a defesa não apenas de um réu, mas de todo o sistema democrático, cujas garantias devem ser salvaguardadas a qualquer custo, sob pena de serem derruídas as bases sobre as quais se assenta o Estado Democrático de Direito que é o Brasil.
“O devido processo legal e a obediência às normas estabelecidas são premissas inegociáveis perante qualquer poder constituído.”
Aluisio Coutinho Guedes Pinto