A prisão em segunda instância e o STF: mais um capítulo da tragicomédia judiciária

Em artigo publicado no Notícias do Dia, o Dr. Luiz Eduardo Dias Cardoso aborda decisão a ser tomada pelo STF a respeito da prisão em segunda instância.

O teatro da Grécia antiga era simbolizado por duas máscaras: a da tragédia e a da comédia. Para Aristóteles, enquanto a tragédia tratava de homens superiores (heróis), a comédia cuidava dos homens inferiores – as pessoas comuns da pólis.

O debate quanto à execução em segunda instância travado no STF é um simbólico exemplo do teatro judiciário brasileiro, que terá um novo ato na próxima quinta-feira, quando a Corte decidirá, mais uma vez, se é possível a execução da pena antes do trânsito em julgado, isto é, sem que tenham sido apreciados todos os recursos cabíveis.

Esse exemplo é simbólico porque reúne, em um só ato, tragédia e comédia: ao mesmo tempo em que as atenções são voltadas principalmente aos “homens superiores” (heróis para uns, vilões para outros), não se pode olvidar que as decisões do STF afetam sobretudo as pessoas comuns – nós, os “homens inferiores”.

Mas se o teatro distingue os homens em superiores e inferiores, a Constituição não o faz: perante ela, todos têm a garantia de que somente serão considerados culpados após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Não fosse isso suficiente, vale lembrar que o índice de reversão de julgamentos dos tribunais locais nas Cortes Superiores (STJ e STF) não é desprezível. Embora de fato sejam pouco numerosas as absolvições alcançadas nessas instâncias excepcionais, em questões como a pena a ser aplicada, o regime a ser cumprido e a conversão da pena em sanções alternativas – as quais impactam diretamente na liberdade dos cidadãos e, por isso, podem representar a cortina que separa cárcere e liberdade –, são bastante significativas decisões favoráveis aos réus: segundo o próprio STJ, superam 25% dos casos de réus representados pelas defensorias públicas (réus pobres, portanto).

Nesse novo ato que se desenrolará, não deve o STF preocupar-se com vaias ou aplausos da plateia, tampouco com a máscara que lhe será imposta: a de herói ou a de vilão. Nessa tragicomédia que se desenvolve pelo menos desde 2016 – e que de cômica nada tem –, cabe à Corte defender a Constituição Federal, custe o que custar.

*Artigo publicado no Notícias do Dia de 21 de outubro de 2019.

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